sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

.pianoforte

para Yvanna,

uma sala decorada por curiosas esculturas de livros; estantes bibliomaníacas que servem para o cochilo dos diferentes copos e taças. as bebidas alojam-se no chão mesmo, com os rótulos aquecidos pelo assoalho revestido de escuros tacos de madeira. de vez em quando giram, norteadas pelo vento ou pela vontade distraída de algum chute ou tapa dos passantes que ousam perturbar o sono do anfitrião acamado, apontando o destino de não sei o quê.

no meio da sala, sustenta-se um piano de cauda, enrolado sob um manto de poeira. não, não está esquecido pois é grande demais e obriga todos a fazerem uma trajetória única pela sala, pisando com a sola do pé somente em determinados pontos do chão – uns espaços demarcados para a performance - e arranhando as costas na parede como que respeitando a área de conservação do museu particular que guarda involuntariamente um monumento.

um piano de passado lustroso é agora somente armação sombria à cegueira cotidiana. um par de mãos mancomunadas já tentou algum exercício para reacordá-lo, mas já não há batimentos. e beliscadas não adiantam. as longas cordas, deitadas num repouso quase absoluto. parecem paralisadas, tensionadas no aguardo de um agudo que fique a soar acusticamente no silêncio reverberante, apesar das impurezas. mas as correntes de ar são cruéis demais. seus oitenta e oito anos duradouros estão espelhados, cada um, na resistência africana do ébano e nas dolorosas últimas notas opacas de marfim.

[.desloucamento]

mover-se, penetrar o espaço arrancar sombras espelhadas conhecer o solo, pisar forte, anunciar a queda arriscar o teu salto incerto da ...