terça-feira, 31 de julho de 2007

.impressões digitais

enquadrado pela lente digital,
emoldurado pelas fronteiras desalinhadas
da colcha bagunçada, ainda sem dormir,
seu corpo esperdiçado é matéria pura
para o artista compor precisão.

a cama tangencia
provoca ângulos obtusos;
cores saturadas capturadas pelas retinas
cansadas de inverter a realidade
para relevar imagens bidimensionais.

a fotografia? mera obra, objeto sem relevo
revelações de um mundo prolixo
ainda que extremamente satisfatório

quando a distância focal é rompida

a meia dúzia de megapixels é inútil
se o baile fotoelétrico é substituído
pela serenidade comungada dos átomos.

.em fim, só

assobio

ela virou
e seus cabelos desvelaram uma nova dimensão
de moléculas frenéticas
fadadas a um inevitável extermínio.

partiu
e deixou o último gole
de guaraná engasgado no canudinho
guiando-se sem sombra para persegui-la.

a cadeira, fora do lugar, ainda espera companhia.

.e lev a dor

foi dali o pulo.

homem-cruz de redenção
ignorando o contrapeso do elevador.

o vôo abortado, imagens virtuais
recobrindo a estampa espelhada de dezessete purgatórios
e a calçada [refúgio do desespero]: o espaço.

foi um risco no vento, um rasgo de meio-sorriso
feito zíper que emperra.

.fundo do poço de desejos

numa fonte de águas saturadas

um grito.

azulejos perdidos enaltecem

cobres envelhecidos.

é preciso que haja ar

para afogar-se num deserto de luxo.

o rastro de cuspe

desvia o caminho.

é o beijo infiltrado que penetra risonho,

tapeia gelatinosa imagem

e arromba

a intimidade frenética

de qualquer arrepio

sob seu manto de luto.

.poética

porque é necessário colocar o poema na berlinda e deixar-lhe com a cara exposta ao tapa. sair da gaveta mofada e desandar em outros lugares, ainda que mais fedidos e obscuros. suor é adubo e fruto mirrado colhido com certo desdém, mesmo estando faminto. ter o direito de errar, querer o torto. dissimulado faquir: dói. passar reto na curva sinuosa e deixar-se colidir com a mureta. depois transpassá-la num cochicho. dizer silêncio às vezes incomoda velhos cachorros que não suportam barulho. sentir arder é ainda sinal de vida. bem vindo, a casa já não é minha.

.sendo

embora baixos, olhos atentos. boca cerrada emudecendo gritos. cara amassada obscura revela o clarão da noite. vultos rodeiam e produzem um som audível porém não identificável. a forte palavra escrita pela grafite: insiste em despedaçar. pés curvados, retraídos, parecem temer o chão. adianta fingir um sorriso?


beijo seco estala: mero acontecimento desprovido
de qualquer causa ou conseqüência.

mal ameacei abandonar minha imagem e ela foi
a passos lentos, na direção oposta.



resvaler.

o sorriso opaco reflete
os estilhaços de uma fotografia amassada
olhos marejados
odor de máquina enferrujada
óculos empenados
aliança que tilinta e
escorrega
pelo ralo da pia
rotação em queda livre
os eixos perderam-se
e o importante é permanecer.

status quotidiano.

quem me acorda é o vapor
viajante do chá de camomila.

[sol voyeur]

o rosto desenterrado
do duro travesseiro
é cúmplice de mais uma rotina.

não vejo futuro algum
nas tuas borras do café de ontem.

e quem impede um beijo
no copo plástico
com marcas de batom?

desperto.

reflete um olhar férmio
passos cruzados
circunscritos
num átimo de eternidade
meandros desengonçados
película desgastada -
beira de mundo:
cheiro de aço frio retorcido
(é o sarro fotogênico
de um tapete de jornal)

bom dia.

dez dedos, um a mão.

dedo

a ponta

nariz

contra a janela

cheiro

de terra morta

mato

uma xícara de café

desperta

um sorriso que brota dos sulcos.

trilhos tortos,

fim da linha.

[.desloucamento]

mover-se, penetrar o espaço arrancar sombras espelhadas conhecer o solo, pisar forte, anunciar a queda arriscar o teu salto incerto da ...