quinta-feira, 14 de novembro de 2013

.credo pagão

sigo passo a passo afirmando nós
nascemos morremos
sozinhos fazemos de tudo
para que o intervalo faça
algum sentido não para
o mundo não para
a igreja não para
o trabalho não para
a família para mim é uma cruz
para  o outro basta
um deslize um passo
em falso uma palavra
inadequada uma ação
menor um tom
acima e verá
a utilidade da cruz ó, Pai
perdoai-me mas ele sabe o que fez
e continuo batendo
ponto na missa no culto no templo em casa
discursos e orações
como comida de micro-ondas
parece bom mas logo esfria
essa fome instantânea de presente congelado
é gula sem mastigar e guarde na geladeira
o que não quiser mande pro lixo o outro
essa embalagem descartável útil
se me interessa depois jogo fora a vida
não é para iniciantes tolos
idiotas nada sabem
nem ousam fazer o sinal da cruz
que eu carrego devoro engasgo
todos os dias não sou de pedir
socorro para os fracos Jesus
morre ressuscita morre
mas vai voltar para você
vai ver Cristo está congelado
precisa de um micro-ondas para a vida
não é preciso aprender a cozinhar
basta saber engolir
cruzes!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

.a sustentável leveza do ser

observe o que carrega consigo
elimine algo
dê para alguém
guarde numa gaveta
jogue no lixo.

fazer 3x ao dia.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

.oceano negro

submerso na planície
teu marolhar escuta
um chamado d’além
quando nada em mim
encontra um recife
escreve tua pele sem
sal na língua
aumenta a pressão
na terra água noir

terça-feira, 18 de junho de 2013

where? now!

somos um coral
improvisado grande
navio sem rumo
afinando e desafinando.

podemos hastear bandeiras
mas não ancoremos
em nowhere land é chegada
a hora de partir.

terça-feira, 4 de junho de 2013

.salto



ela queria descer
   de um salto
calçar o ponto de equilíbrio
com a terra mãe
sem intermediários entre
suas solas e o solo
solidificando-se
apenas a ideia
suspende teu corpo
a cada passo
em frente, em frente
eu digo ao teu ombro
para entrar no mar
é preciso estar descalço.

                       para Pati Rabelo

sexta-feira, 31 de maio de 2013

.crear


no princípio era o Verbo
coisa nenhuma
no eternamente Antes
inspirando e expirando.

em um suspiro, fez-se
música do vácuo
de uma nota e outra
o silêncio do eterno
a canção do divino.

e a música tocou
as matas, os bichos, as gentes
cada qual no seu tom
ilha coral de uma nota
só o bicho humano verbificou
Deus               se cria entre
uma palavra e um poema.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

.o caminho da vida



A vida é esse caminho que se faz caminhando, cheio de abismos, atalhos obscuros e becos sem saída. É essa travessia encantadora – e é isso o que importa na vida: saber atravessá-la. Temos direito aos esbarros, aos escorregos e aos tropeções, mas sempre é tempo de levantar e olhar para o horizonte – olha lá a utopia! O sol que nos enche de vida e se põe todos os dias. É preciso apreciar o crepúsculo e agir no lusco-fusco. É preciso saber levantar ao raiar do próximo dia.

Na vida, caminha-se com uma perna, com duas, com três. Também é preciso engatinhar, dar cambalhota e estrela. A vida é um circo, respeitável público, e é preciso coragem para saltar de um trapézio ao outro. Nela, aprende-se a andar sobre monociclo, bicicleta, triciclo, motocicleta e automóvel. Quando já se sabe andar com as próprias pernas, anda-se sobre rodas de patins ou patinete. Quando se quer sair do chão, aprende-se a se equilibrar em corda bamba ou a saltar de paraquedas.

A vida é para se locomover. Por isso há sempre acidentes. Uns são como lembretes da vida; outros são telegramas sem direito de resposta. Às vezes, o passo em falso é fatal. Às vezes, o desequilíbrio leva à última queda. E aí, pronto, acabou-se o espetáculo. Lá está a vida, quedada no chão. Já sem pretensão de ser qualquer coisa, mas garantindo o único direito que ela nos dá todos os dias: o direito à morte.

(Texto em homenagem a André Salgado)

quarta-feira, 22 de maio de 2013

.autoajuda

eu não sou meu time.
eu não sou meu partido.
eu não sou minha religião.
eu não sou meu sexo.
eu não sou o outro.

eu sou você.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

perigo.



trancamo-nos a sete 
chaves cadeado cerca elétrica 
cachorros ferozes ladram
mas não mordem
se mordem não matam se matam
morremos

o perigo está do lado de fora
de onde? nas ruas e calçadas
cães selvagens
arrancam nossos pedaços 
diariamente quando nos sentimos 
corajosos, mostramos os dentes
latimos alto algumas vezes
pomos a correr 
o cão desgraçado sabendo 
ele voltará na manhã seguinte

não devemos não podemos 
matá-lo sabemos mesmo 
sem coleira ele tem dono não
são como nós encoleirados abandonados 
à própria 
sorte todos os dias perdemos 
algum pedaço 
de nós o que resta
damos aos cachorros de casa

comam meu corpo 
amigos
comam minha alma
mas guardem minha casa 
não saiam 
dela corremos perigo

sente-se.

terça-feira, 9 de abril de 2013

.além da queda


andar é cair
e a cada queda
eu me apaixono.
vou comprar pão
puf
estou amando.
hoje tropecei
ia dar de cara no chão
aí você me segurou.

quarta-feira, 13 de março de 2013

.desespero


o breve momento
em que não sei
se já partiu
está por vir
ou nunca surgirá
na hora que já chega
a minha espera 

segunda-feira, 11 de março de 2013

.socorrer


estamos amputados.

estendemos a mão
num pedido de socorro
mas já não há braço.

as vítimas pedalam
os assassinos correm
só correm
não socorrem
o braço marginal
não será encontrado.

como levantaremos
nossas bandeiras?
como escreveremos
poema abaixo-assinado?
como limparemos as vidraças
manchadas de sangue?

eles só correm
nós socorremos
ó pedaço de mim
a metade afastada
exilada arrancada amputada
das vidas que já perdi.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

.mais perto

aqui estamos mais perto
do céu, disse
ele apoiando
os olhos numa nuvem
que sobrevoava a janela
do quarto na serra
com nome de passarinho 
o dia começava
a todo instante
tempo bom
para meditar
no café-da-manhã
frutos maduros.

                   para Simone

[.desloucamento]

mover-se, penetrar o espaço arrancar sombras espelhadas conhecer o solo, pisar forte, anunciar a queda arriscar o teu salto incerto da ...